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Não Cantemos às Paredes... - Por Luiz de Mattos

Os que privaram com Luiz de Mattos, dizem-no causeur admirável. Gostava de palestrar e, espírito culto e cintilante, tinha sempre um caso a narrar, a propósito do assunto que se ventilasse no momento...

O trecho que se segue, descreve-nos interessante cena do litoral paulista, no fim do século passado, ao qual o pitoresco da narrativa empresta acentuado sabor local.

A propósito de não cantar às paredes, vem-nos à mente um fato do nosso tempo de rapaz que, saudosos, vamos narrar, por ter aplicação ao caso de que estamos tratando.

Foi em 1879, num dos belíssimos sítios das redondezas da ilha de Ingá-Guaçu, por Brás Cubas depois denominado Santos, nesse lindíssimo litoral paulista, na noite de 24 de junho, numa festa popular desse povo simples, boníssimo e grandemente pitoresco no falar e no vestir.
O sítio, que se denominava e se chama ainda “Casqueirinho”, ou “Morro do Chá”, integrara, outrora, várias grandes propriedades agrícolas, que naquele então rico município foram fundadas e produziram cacau, café, açúcar, arroz e chá de superior
qualidade, em grande abundância, fornecendo, além disso, sementes e mudas de plantas
para todo o litoral do Brasil, e até para acima.

Em volta das crepitantes fogueiras, onde se assavam batatas doces, cana e aipim, todos se reuniam para palestrar, rir, brincar e contar histórias de cor local, ao agrado dos presentes, alguns dos quais executavam danças várias, entre elas o Balaio, muito do gosto dos adoráveis praianos daquelas bandas, com indefectíveis cantares, toques de violão, harmônicas, flautas, clarinetas e, sobretudo, de viola, o velho e saudoso pinho
que tão doces e gratas recordações produz em quem tem sabido viver a vida dos campos, das praias, vida verdadeiramente racional, simples e despreocupada das coisas políticas, mundanas, todas prejudiciais e venenosas para a alma e o corpo.

Éramos, ao todo, umas sessenta pessoas de várias procedências: da cidade, das praias e dos sítios próximos, mas todas tão realmente irmanadas e joviais, que parecíamos uma só família; porque uma só vontade, um só desejo, um só pensamento reinavam entre nós, fazendo-nos rir, brincar e divertir-nos muito uns com os outros.

Dentre essas pessoas, duas se destacavam pela sua viveza original e pitoresco da linguagem e do vestuário florido como o jacatirão em março: um rapaz e uma rapariga.
Ele se chamava José Guaturama, morador num sítio vizinho, da margem do rio das Onças, e era o mais inspirado violeiro e cantador repentista que se conhecia por aqueles sítios, de fertilidade e beleza incomparáveis.

Era também conhecido como perito caçador de macucos, o que melhor sabia piar e atraí-los e, além disso, um remo valente, o melhor, mais destemido e de mais fôlego canoeiro de toda a redondeza.

Os seus cantares, altas horas da madrugada, quando, à feição da maré de vazante, na popa da sua canoa, a “Santa Rosa”, carregada de palmito, cana doce, batata, aipim, e outros produtos da sua lavoura, se dirigia para o mercado – então a banca da cidade – eram conhecidos e estonteadores das moçoilas, das morenas dos sítios vizinhos e ribeirinhos, até à cidade, e não havia uma só pessoa que lhe não quisesse bem e o não fosse esperar, na volta da cidade, ao porto do seu sítio, para dar-lhe as boas-tardes e os parabéns pelos versos que tirou ao passar, alta noite, por ali, e pela toada bonita com
que os acompanhou.

Simples e respeitador, era José Guaturama o representante genuíno daquela raça paciente de pescadores e caçadores, resignada e forte, que tem origem na tribo dos Guaranis, em tempos chefiada por Piquirobe – tribo que ainda habita as imponentes florestas e belíssimas margens dos rios que nascem na Serra do Mar ou Paranapiacaba, e deságuam no litoral, entre Conceição de Itanhaém e Piruíbe.

Ela se chamava Rosinha Sabiá, também morena, também da mesma origem luso-guarani, a flor de maracujá mais mimosa, mais graciosa, mais doce e de menos luxo que por aquelas bandas se conhecia.

Era repentista como José Guaturama, e sem seca, como ele, para cantar ao desafio, não tinha outra que lhe levasse as lampas, que se lhe avantajasse, e, por isso, é que a chamavam Rosinha Sabiá.

Fonte: Livro: Vibrações da Inteligência Universal